sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Eleições! Voto por correspondência? Endereço postal? Correio? Tem, mas...

Inscritos no Consulado, eu e ela de certidão passada, aguardámos pacientemente a Carta com o Boletim de Voto. Para além de alguma expectativa no resultado das eleições, há  coisas me causam alguma ansiedade no processo (exótico) de recolha dos votos dos "que estão fora".

A primeira indicação de que estamos efectivamente num país exótico (ou que queremos participar, votando, numas eleições de um país exótico?) foi a exigência de um endereço postal para nos enviarem o Boletim de Voto. Não percebo porque o boletim não pode ser distribuído de outra forma, se o verdadeiro filtro da validade do voto está na "Assembleia de Recolha e Contagem de Votos dos Portugueses Residentes no Estrangeiro" que só deverá contar os votos recebidos acompanhados de certidão ou cópia do cartão de eleitor, com regras claras e obrigação última de impedir qualquer tipo de fraude, mais do que previstas na Lei Eleitoral.

Convenhamos, não há distribuição de correspondência ao domicílio em Angola, pelo menos universal e sistemática. Como é que vamos receber o boletim de voto? E ainda por cima em carta registada... Um par de telefonemas e umas mensagens depois, conseguimos autorização para dar como "residência" o endereço de uma empresa situada milagrosamente numa das raríssimas zonas onde há distribuição postal frequente em Luanda. Eu queria ver como é que me safava se estivesse em Negage ou no Sumbe, só para não ir mais longe. Desenrascanço obrigatório, onde deveria haver simplicidade e transparência.

A segunda indicação de que queremos participar, votando, numas eleições de um país exótico (ou que estamos num país exótico?) foi que ambos recebemos, um mês e tal antes das eleições, uma carta de uma Coligação no Poder a apelar ao voto neles, mal disfarçada de apelo à participação nas eleições. Gostávamos mesmo muito de saber se o nosso "endereço postal" há tão pouco tempo indicado à Comissão Nacional de Eleições via Consulado ficou logo livremente disponível para todos os partidos concorrentes, ou se se tratou apenas de um caso de abuso de acesso privilegiado. Gostava de explorar o assunto.

Finalmente, mas não de somenos importância, há dias recebi a cartinha com o boletim de voto e as instruções de envio, e a esposa não. Provavelmente extraviou-se, anda por aí pelo Mundo um boletim de voto perdido e temos uma eleitora impedida efectivamente de exercer o seu direito-dever pela máquina eleitoral (exótica?) de Portugal.

Resta ainda saber se o meu voto vai chegar a tempo. Eu pago os selos, sem problema, envio por avião, sim-sim, antes da data das eleições, claro; faltava o país de destino, escreve-se à mão; registado? Nem foi preciso pedir, a menina do outro lado do guichet da estação de correio do edifício sede dos Correios de Angola, quando viu o envelope passou-me logo a papeleta do registo (e o pedido de oitocentos e tal kwanzas, o troco de mil foi em selos).  

Coisas e hábitos de filatelista desde pequenino, costumo usar os Correios. Há tempos enviei carta de Ondjiva, chegou a Lisboa 9 dias depois; enviei carta do Kuito, chegou 14 dias depois; enviei de Luanda, uma demorou 11 dias, outras não anotei. Por princípio, confio nos correios: a partir de Portugal, só nos últimos 4 anos enviei e recebi umas centenas de cartas "pessoais" de e para uma vintena de países. Não conto as contas, a publicidade e a correspondência dos bancos. Dei conta de um único extravio, proveniente de Espanha; quanto ao resto, mais demora, menos alfândega, os Correios são uma instituição confiável. Claro, há extravios, roubos, acidentes, mas é uma parcela ínfima do correio correctamente franquiado e endereçado que circula por aí. E convenhamos, funciona muito bem nos países ditos desenvolvidos, com infraestruturas nacionais de tratamento da correspondência funcionais. O que não é o caso de metade do Mundo e de dois terços dos países, se alguém tiver curiosidade de consultar os vários índices disponíveis on-line...

Em resumo, a nossa experiência não será exactamente estatisticamente representativa, mas contribui certamente para uma má "primeira impressão" sobre o processo de recolha dos votos dos portugueses no estrangeiro. Permito-me deixar recados, Correios à parte, fiquei primeiro irritado e depois desiludido; queixo-me mas não desisto, a irritação passa,  a mágoa, por muito que se diga, essa fica.

- Senhores governantes: não há só portugueses emigrantes em Inglaterra, Suíça ou Estados Unidos, países onde os Correios funcionam e se seguem boas práticas e recomendações sem interrupções há mais de 150 anos!

- Senhores governantes: qual seria o problema de adoptar procedimentos iguais aos já em vigor para outros casos, como para o voto antecipado de funcionários deslocados, o recurso aos serviços Consulares... Para além disso, há mais Correios para além dos Correios! Há empresas de transporte de correpondência, muitas propriedade de administrações postais nacionais, (Chronopost, DHL, UPS e milhentas outras), há portadores credenciados, há Mala Diplomática, há afinal um mundo de possibilidades tão ou mais confiáveis que os serviços de Correio estatais. E porquê via CTT que até já nem é uma empresa pública?

- Senhores governantes: para que serviu o investimento de uma geração num Cartão de Cidadão, dispendioso,  com chip (e um prazo de validade irrisório), integrado num sistema que reconhece a minha impressão digital e assinatura de forma segura e inequívoca através de qualquer ligação à Internet, que por acaso tem uma cobertura estupidamente mais abrangente que a distribuição domiciliária de correio, se não o consigo usar para me autenticar ou validar a morada e, por exemplo, votar?


Receio, ao falar na incapacidade prática de o cidadão português residente em muitas partes do "estrangeiro" exercer os seus direitos e cumprir o dever cívico de votar, não estar a abordar a questão técnica, da segurança ou credibilidade do sistema, nem sequer da acreditação do cidadão perante uma entidade pública; antes,acho estou a bater na parede de um edifício de sobre-legislação ultrapassada, já inadequada quiçá no dia em que foi criada, de métodos e meios desfasados da realidade presente ainda ancorados num passado reinventado e inexistente e, pior que tudo,  desperdiçando um monte de oportunidades e soluções (caras), deixando uma imagem mixuruca de Portugal  para a Civilização e gerações futuras. 

Vai demorar a corrigir isto com eleições tão condicionadas aos interesses dos políticos representantes da "partidocracia" vigente e, cá vem a coisa da má impressão, tão perdidos na cosmética financeira dos buracos recorrentes, que apenas passam a ideia de estar pouco preocupados com os superiores interesses do País e dos Cidadãos.

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