Inscritos no Consulado, eu e ela de certidão
passada, aguardámos pacientemente a Carta com o Boletim de Voto. Para além de
alguma expectativa no resultado das eleições, há coisas me
causam alguma ansiedade no processo (exótico) de recolha dos votos dos "que estão
fora".
A primeira indicação de que
estamos efectivamente num país exótico (ou que queremos participar, votando,
numas eleições de um país exótico?) foi a exigência de um endereço postal para
nos enviarem o Boletim de Voto. Não percebo porque o boletim não pode ser distribuído
de outra forma, se o verdadeiro filtro da validade do voto está na
"Assembleia de Recolha e Contagem de Votos dos Portugueses Residentes no
Estrangeiro" que só deverá contar os votos recebidos acompanhados de
certidão ou cópia do cartão de eleitor, com regras claras e obrigação última de
impedir qualquer tipo de fraude, mais do que previstas na Lei Eleitoral.
Convenhamos, não há distribuição de
correspondência ao domicílio em Angola, pelo menos universal e sistemática. Como
é que vamos receber o boletim de voto? E ainda por cima em carta registada...
Um par de telefonemas e umas mensagens depois, conseguimos autorização para dar
como "residência" o endereço de uma empresa situada milagrosamente
numa das raríssimas zonas onde há distribuição postal frequente em Luanda. Eu queria ver
como é que me safava se estivesse em Negage ou no Sumbe, só para não ir mais
longe. Desenrascanço obrigatório, onde deveria haver simplicidade e
transparência.
A segunda indicação de que
queremos participar, votando, numas eleições de um país exótico (ou que estamos
num país exótico?) foi que ambos recebemos, um mês e tal antes das eleições,
uma carta de uma Coligação no Poder a apelar ao voto neles, mal disfarçada de
apelo à participação nas eleições. Gostávamos mesmo muito de saber se o nosso
"endereço postal" há tão pouco tempo indicado à Comissão Nacional de
Eleições via Consulado ficou logo livremente disponível para todos os partidos concorrentes,
ou se se tratou apenas de um caso de abuso de acesso privilegiado. Gostava de explorar o assunto.
Finalmente, mas não de somenos
importância, há dias recebi a cartinha com o boletim de voto e as instruções de envio, e
a esposa não. Provavelmente extraviou-se, anda por aí pelo Mundo um boletim de voto
perdido e temos uma eleitora impedida efectivamente de exercer o seu
direito-dever pela máquina eleitoral (exótica?) de Portugal.
Resta ainda saber se o meu voto
vai chegar a tempo. Eu pago os selos, sem problema, envio por avião, sim-sim,
antes da data das eleições, claro; faltava o país de destino, escreve-se à mão; registado? Nem foi preciso pedir, a menina
do outro lado do guichet da estação de correio do edifício sede dos Correios de
Angola, quando viu o envelope passou-me logo a papeleta do registo (e o pedido
de oitocentos e tal kwanzas, o troco de mil foi em selos).
Coisas e hábitos de filatelista
desde pequenino, costumo usar os Correios. Há tempos enviei carta de Ondjiva,
chegou a Lisboa 9 dias depois; enviei carta do Kuito, chegou 14 dias depois;
enviei de Luanda, uma demorou 11 dias, outras não anotei. Por princípio, confio
nos correios: a partir de Portugal, só nos últimos 4 anos enviei e recebi umas
centenas de cartas "pessoais" de e para uma vintena de países. Não conto
as contas, a publicidade e a correspondência dos bancos. Dei conta de um único
extravio, proveniente de Espanha; quanto ao resto, mais demora, menos
alfândega, os Correios são uma instituição confiável. Claro, há extravios,
roubos, acidentes, mas é uma parcela ínfima do correio correctamente franquiado
e endereçado que circula por aí. E convenhamos, funciona muito bem nos países
ditos desenvolvidos, com infraestruturas nacionais de tratamento da
correspondência funcionais. O que não é o caso de metade do Mundo e de dois
terços dos países, se alguém tiver curiosidade de consultar os vários índices
disponíveis on-line...
Em resumo, a nossa experiência
não será exactamente estatisticamente representativa, mas contribui certamente
para uma má "primeira impressão" sobre o processo de recolha dos
votos dos portugueses no estrangeiro. Permito-me deixar recados, Correios à parte, fiquei
primeiro irritado e depois desiludido; queixo-me mas não desisto, a irritação
passa, a mágoa, por muito que se diga, essa fica.
- Senhores governantes: não há só
portugueses emigrantes em Inglaterra, Suíça ou Estados Unidos, países onde os Correios funcionam e se seguem boas práticas
e recomendações sem interrupções há mais de 150 anos!
- Senhores governantes: qual
seria o problema de adoptar procedimentos iguais aos já em vigor para outros
casos, como para o voto antecipado de funcionários deslocados, o recurso aos
serviços Consulares... Para além disso, há mais Correios para além dos
Correios! Há empresas de transporte de correpondência, muitas propriedade de administrações postais nacionais, (Chronopost, DHL, UPS e milhentas outras), há portadores credenciados,
há Mala Diplomática, há afinal um mundo de possibilidades tão ou mais confiáveis que os serviços de Correio estatais. E porquê via CTT que até já nem é uma empresa
pública?
- Senhores governantes: para que
serviu o investimento de uma geração num Cartão de Cidadão, dispendioso, com chip (e um prazo de validade irrisório),
integrado num sistema que reconhece a minha impressão digital e assinatura de
forma segura e inequívoca através de qualquer ligação à Internet, que por acaso
tem uma cobertura estupidamente mais abrangente que a distribuição domiciliária
de correio, se não o consigo usar para me autenticar ou validar a morada e, por
exemplo, votar?
Receio, ao falar na incapacidade prática de o cidadão português residente em muitas partes do "estrangeiro" exercer os seus direitos e cumprir o dever cívico de votar, não estar a
abordar a questão técnica, da segurança ou credibilidade do sistema, nem sequer da acreditação do cidadão
perante uma entidade pública; antes,acho estou a bater na parede de um edifício de sobre-legislação
ultrapassada, já inadequada quiçá no dia em que foi criada, de métodos e meios
desfasados da realidade presente ainda ancorados num passado reinventado e
inexistente e, pior que tudo, desperdiçando
um monte de oportunidades e soluções (caras), deixando uma imagem mixuruca de Portugal para a Civilização e gerações futuras.
Vai demorar a
corrigir isto com eleições tão condicionadas aos interesses dos políticos
representantes da "partidocracia" vigente e, cá vem a coisa da má
impressão, tão perdidos na cosmética financeira dos buracos recorrentes, que apenas passam a ideia de estar pouco
preocupados com os superiores interesses do País e dos Cidadãos.
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