Como tantos outros portugueses, ela
um dia embarcou para Angola à procura de uma vida melhor, na década de
60 do século passado. Dito assim, parece que foi há uma eternidade... e foi, de
facto, já quase não me lembro das pessoas a acenar com lenços coloridos no
barco e no cais da Rocha do Conde de Óbidos, o navio esverdeado a afastar-se
lentamente, aproando à foz do Tejo, eu de bicos de pés a querer ver mais, de mão dada com o meu pai.
Foi noutro tempo, em que as fazendas do
Uíje alimentavam meio mundo e mantinham outro meio acordado à custa de toneladas de cafeína. Na altura Luanda desenvolvia-se como mais nenhum sítio na esfera
colonial portuguesa, construíam-se os maiores edifícios do "império",
os caminhos de ferro transportavam os minérios do meio da África que alimentavam os portos do Sul com desenvolvimento e expectativas, como nunca tinha havido deste
lado do continente.
Ela acabou por estar em Angola pouco
tempo. Na longa viagem de barco até cá conheceu um marinheiro; perderam-se de
amores, casaram poucos meses depois em Lisboa, foram viver para a terra dele,
que por acaso é na Andaluzia. Tiveram filhos, em seu tempo os filhos também. Com os
netos e os filhos. o marinheiro e ela viveram felizes para sempre, poderia dizer-se,
à guisa de despedida porque é disso que se trata. Inevitavelmente a vida
consome-se, gasta-se, vive-se. E acaba, solitariamente como começa, numa luta
contra o Tempo que nenhum de nós poderá vencer, a dela acabou com o ano que passou.
Gostava muito da minha prima,
em putos brincámos muito no pátio do rés-do-chão, esfolámos os joelhos juntos
em jogos e correrias entre os vasos dos jarros e a moita das sardinheiras,
rasando perigosamente a avenca de estimação a caminho do pão com manteiga do lanche, na mesa de pedra da cozinha. Ficará uma ponta de saudade nos
que por cá vão ficando, mais a mágoa de perder uma pessoa boa ainda com sonhos e
vontade de dar, para uma doença precoce, inexorável e tramada. Deveras, não
somos nada.
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