segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Ir lá acima

Ela é bastante esperta e, a pouco e pouco, conseguiu atingir uma posição confortável. Apesar da vista ser para as traseiras, tem sol toda a manhã a entrar em catadupas pela janela, sempre é mais simpático que a penumbra desfeita pela iluminação artificial dos poisos mais modestos do interior. Ele é atrevido, simpático até ao meloso, focado, persistente: não desarma do seu objectivo nem aceita um "não" como resposta. Ela é menos competitiva, assenta a sua conduta na sobriedade de quem conhece a casa desde sempre, mas não admite intromissões no seu pequeno "reino", nisso é assertiva e barafusta tanto quanto necessário para preservar os seus direitos. Ele, mais jovem, não desarma: insiste, faz valer os seus argumentos, chega mesmo a puxar pelo físico e assedia-a até à exaustão. Eventualmente ela acaba por ceder; depois de uma troca de impressões que chega ao limiar das agressões, retira-se agastada, parte para uma posição menos confortável. Aguardará nova oportunidade, afinal é esperta; oportunista, sabe que, no fundo, o revês é apenas temporário. Ele acaba por ficar com a posição dela. Não irá fazer absolutamente nada durante muito tempo, para além da ocupação física do local. Descansa da lide, refastelado.


São assim os dois felinos que há lá em casa: uma gata parda e um gato preto. Há apenas um poleiro com forro macio, encostado à janela com vista para os quintais vizinhos. Os quintais são povoados de árvores diversas, filhas de paisagens díspares importadas para as ilhas-quarteirões ao longo de muitos anos, habitadas no tempo mais ameno por passarada sazonal que as divide com os pombos e pardais residentes. Lisboa continua linda.

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