sábado, 6 de agosto de 2011

A Figueira e os Pássaros


Em Cabinda há vestígios de outros tempos que não foram completamente varridos com os ventos das revoluções e das guerras. A atestar isso mesmo, ali à saída da cidade de Cabinda a seguir ao supermercado numa elevação sobranceira ao rio onde se lava a roupa e o carro, está um padrão português bem pintadinho de branco, ao lado de uma árvore vetusta e por certo mais veneranda do que o tratado que se assinou à sua sombra; foi o tratado de Simulambuco, idêntico aos contemporâneos tratados de Chinfuma (igualmente redigido por Guilherme Augusto Brito Capelo, irmão daquele que tem uma rua no Chiado) e de Chicamba (assinado por um alferes sem direito a rua).
Engraçado, o tratado de Simulambuco resulta do que parece ser mesmo uma “encomenda” portuguesa, isto é, foi redigido após um pedido dos nobres indígenas para se colocarem sob o protectorado de Portugal. O pedido foi prontamente acudido e o tratado assinado mesmo a jeito e a tempo de suportar as pretensões portuguesas, na altura em que os passarões europeus da época estavam placidamente a dividir a África entre eles: lá ficou um Congo para os franceses, um Congo para os belgas, vá lá, pronto, um Conguito para os portugueses.
Este episódio, curiosamente, ajuda a sustentar as teses do partido da independência dos falantes de Ibinda, culturalmente distantes dos Kimbundos de N’gola, ao atestar que o protectorado foi acordado de forma autónoma nos tratados referidos entre 1883 e 1885, numa altura em que Angola era incontestávelmente uma colónia da Sua Majestade Fidelíssima EI-Rei de Portugal há que séculos. Nestes tratados declara-se, para além das contrapartidas comerciais óbvias para os portugueses, algum respeito pela independência dos povos autóctones, a preservação das tradições, e a abolição da escravatura no território.

A árvore por de trás (e por cima) disto tudo, é uma Nsanda porque está aqui no Congo, uma vez que se estivesse a Sul do Rio Zaire, ou Congo, a figueira em questão seria uma Mulemba; em qualquer dos casos é sagrada e representa a ligação com os antepassados. Segundo a tradição, de cada vez que um grupo se destacava da tribo, tinha de levar uma raiz de Nsanda; se pegasse bem no sítio escolhido, poderia ser fundada aí uma nova aldeia. É assim que no centro dos povoados há sempre uma Nsanda. Ou uma Mulemba. À sombra da árvore dos antepassados se reuniam os nobres, sob a árvore o soba tratava das makas dos seus súbditos. Também acho que não deve haver melhor sítio para assinar um tratado que à sombra dos antepassados, ou debaixo de uma figueira. Além do mais, os frutos comem-se, as raizes são medicinais, e a seiva pegajosa também serve de visco para ir aos pássaros.

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