sábado, 28 de maio de 2011

Indescritível?

Ao princípio da manhã, vamos pela "Rua Ho Chi Min - Político Vietnamita" em direcção ao Nordeste, saída pelo Cacuaco direitinhos ao Caxito, o destino é Uíje, capital da província do mesmo nome. Avenida Hoji Ya Henda, avenida N´gola Kiluanje, ruas de Luanda que conseguem ser mais estranhas do que os heróis que lhes emprestaram o nome. Só visto...
Duas faixas para cada lado, ou três, ou quatro, ou cinco num só sentido, os condutores de Luanda têm uma aptidão única para tentar ultrapassar por onde haja um espacinho transitável (e às vezes nem isso, como atestam os esqueletos de carros tombados na berma), até ao bloqueio completo do trânsito nos dois sentidos. Dos prédios suburbanos dos anos 70 vai-se passando subtilmente para as construções periclitantes encavalitadas nos restos da zona industrial adjacente à cidade. Paragem para passar o comboio: aparentemente é uma vala de esgoto, mas sem dúvida que os carris estão por baixo da água negra, a composição passa com várias carruagens em direcção ao porto.
Atravessar a linha exige cuidado, seguir os carros da frente que evitam a zona da esquerda, a fossa deve ser mais funda aí. O alcatrão vai desaparecendo na justa medida em que as casas deixam de ter aspecto de tal e os montes de lixo na berma ardem, ou apenas se acumulam esgravatados aqui e ali por seres difusos no meio do fumo e do pó; oficialmente estamos no meio do musseque.
O termo “indescritível” ganha uma nova dimensão e bate-nos com força no inconsciente a sensação de que não deviamos estar aqui nem agora, que este momento não existe. Há qualquer coisa de surreal e estranhamente errado neste tempo e neste sítio.
Descendo e subindo lomba atrás de lomba, lentamente o imenso trânsito de carros, camionetas , todo-o-terenos dos mais variados, motos e autocarros e semi-reboques com contentores, vai serpenteando, ondulando, fluindo no meio da multidão de peões. Caminho ora mais largo ora mais estreito, terra, mais lixo a arder na berma, um resto de estrada, outra vala de esgoto, milhares de casas ao longo de um caótico amontoado de bairros, Cazenga, Roque Santeiro, que pende de forma surreal no cimo da falésia-lixeira mais para a esquerda, com as valas de esgoto pluvial gigantes entupidas de lixo que (mal) desaguam na baía; e mais camiões, e mais pó que estamos na estação seca. Na estação das chuvas foi lama, buracos submersos a provocar acidentes, lama e mais lama. E no meio disto, comércios diversos, gente a vender de tudo um pouco, sandes de chouriço e CD’s de música, garrafas de água meio congelada, massarocas de milho acabadas de assar à beira do caminho, ferros de engomar, corta-unhas, recargas para o telemóvel, abraçadeiras de plástico no meio da nuvem permanente de pó amarelo, ali laranja, aqui vermelho.
Uma ou outra patrulha de polícia, parado ao nosso lado na circunstância do engarrafamento um camionista simpático confirma-nos o que esperávamos: é “sempre em frente” para o Cacuaco. Em frente há duzentos metros de lama negra, apenas os maiores camiões passam; contorna-se pela esquerda uma fábrica abandonada, mal cabem carros nos dois sentidos. É preciso aguardar num pedacinho mais plano para cruzar com os camiões maiores, não vá o contentor tombar, tem acontecido frequentemente. Finalmente interceptamos a estrada “oficial” para sair de Luanda, a "nacional" na continuação da rua Comandante Kima Kienda que vem do porto e a esta hora com fila dupla de camiões nos dois sentidos praticamente parada em cinco quilómetros. Fizémos sensivelmente a mesma distância pelo caminho “mais rápido”, atrás de nós ficaram bairros indescritíveis e duas horas e meia de condução. É assim todos os dias da manhã à noite para quem entra ou sai da cidade, pior é na estação das chuvas que as valas estão submersas, é fácil ficar atascado na lama. Rio-me a pensar no Cacém e na IC19: refresco.

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