sexta-feira, 21 de março de 2014

O Carro e a Praia

No tempo em que os carros avariavam, era uma vez um Fiat 850 que andava a gastar muita gasolina. Ora acontece  que nesse tempo a gasolina era barata e as pessoas podiam usar os carros para turistear ao Domingo e tudo. Então, num certo Domingo desse Verão antigo, o carrito levou dois casais de namorados até pertinho do mar. Iam para dourar ao sol, petiscar na praia, namorar… Mas logo logo nesse litoral ficou um tempo ventoso e frio, o mar agitado, recordo que choviscou até. Com o namoro arrefecido e o pique-nique molhado, o dia desengraçado foi rapidamente encurtado, logo quisémos todos regressar. Foi nessa altura que o carrinho não quis colaborar e se recusou a pegar. O motor afogou: esperámos; tentámos de novo, voltou a não pegar. E a afogar. A ideia de voltar à cidade para uma tarde que compensasse o dia frusco, começava a esfumar-se nas nossas mentes (adolescentes) quando, do outro lado do terreiro poeirento que servia de estacionamento, aparece uma cara conhecida: o F, mecânico vizinho, família embrulhada nas toalhas de praia, defesa de ocasião para a intempérie imprevista. Ele, que trazia sempre a caixa da ferramenta na mala da viatura e, nesse dia, a mesma vontade de sair dali dos outros veraneantes arrepiados, prontificou-se a dar-nos uma mãozinha. Meia hora depois, fita isoladora, arame, muita conversa e alguma cerveja, e o 850 dignou-se funcionar, com o tubo de gasolina meio derretido, mas suficientemente remendado para garantir a viagem. Até que um dia…
Bem, um dia, os japoneses inventaram a Toyota Hiace e a Hilux e o Corolla e o Galinha Rija e o V8 Chefe Máquina. E os carros que avariavam, até então temperamentais e falíveis, consumidores de óleo, peças e paciência, quebrando constantemente, foram morrendo na berma das estradas do Mundo e caindo num esquecimento de trituradoras de sucata. Voltaremos a encontrá-los transformados em torradeiras, pregos e varões de armar cimento, frigoríficos e outros carros, numa reciclagem sem fim. Pela graça do senhor Mittal et all. A prova disso está mesmo aqui em Luanda, a capital mundial dos Toyotas-Starlet-a-Cair-de-Maduros que, por artes mágicas, engenho dos homens ou milagre tecnológico, não param.

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