No tempo em que os carros
avariavam, era uma vez um Fiat 850 que andava a gastar muita gasolina. Ora
acontece que nesse tempo a gasolina era
barata e as pessoas podiam usar os carros para turistear ao Domingo e tudo. Então,
num certo Domingo desse Verão antigo, o carrito levou dois casais de
namorados até pertinho do mar. Iam para
dourar ao sol, petiscar na praia, namorar… Mas logo logo nesse litoral ficou um
tempo ventoso e frio, o mar agitado, recordo que choviscou até. Com o namoro
arrefecido e o pique-nique molhado, o dia desengraçado foi rapidamente
encurtado, logo quisémos todos regressar. Foi nessa altura que o carrinho não quis
colaborar e se recusou a pegar. O motor afogou: esperámos; tentámos de novo, voltou
a não pegar. E a afogar. A ideia de voltar à cidade para uma tarde que
compensasse o dia frusco, começava a esfumar-se nas nossas mentes (adolescentes)
quando, do outro lado do terreiro poeirento que servia de estacionamento, aparece
uma cara conhecida: o F, mecânico vizinho, família embrulhada nas toalhas de
praia, defesa de ocasião para a intempérie imprevista. Ele, que trazia sempre a
caixa da ferramenta na mala da viatura e, nesse dia, a mesma vontade de sair dali
dos outros veraneantes arrepiados, prontificou-se a dar-nos uma mãozinha. Meia
hora depois, fita isoladora, arame, muita conversa e alguma cerveja, e o 850
dignou-se funcionar, com o tubo de gasolina meio derretido, mas suficientemente
remendado para garantir a viagem. Até que um dia…
Bem, um dia, os japoneses inventaram
a Toyota Hiace e a Hilux e o Corolla e o Galinha Rija e o V8 Chefe Máquina. E
os carros que avariavam, até então temperamentais e falíveis, consumidores de
óleo, peças e paciência, quebrando constantemente, foram morrendo na berma das
estradas do Mundo e caindo num esquecimento de trituradoras de sucata. Voltaremos
a encontrá-los transformados em torradeiras, pregos e varões de armar cimento,
frigoríficos e outros carros, numa reciclagem sem fim. Pela graça do senhor
Mittal et all. A prova disso está mesmo aqui em Luanda, a capital mundial dos
Toyotas-Starlet-a-Cair-de-Maduros que, por artes mágicas, engenho dos homens
ou milagre tecnológico, não param.
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