sexta-feira, 29 de abril de 2011

A gasosa

A “gasosa” é uma instituição nacional. Toda a gente, em todas as circunstâncias que se assemelhem, mesmo que vagamente, à prestação de um serviço, está à espera da gasosa. Sorriso de orelha a orelha e pede uma gasosa; lavar o carro, gasosa; pedes a factura, deixas a gasosa; facilitas a passagem, gasosa... A gasosa varia com a circunstância, mas também com o estatuto: espera-se mais de um chinês, menos de um tuga, ainda menos de um “misto”, algo mais se se o cidadão estiver a sair de um todo-o-terreno monstruoso com pára-choques dourados.

Saimos da cidade ao fim de semana. Ver as vistas sem sair do alcatrão, nem temos guia nem carro para outras aventuras. Os chineses têm feito um bom trabalho nos últimos meses, as estradas aqui à volta estão impecáveis. Não cremos que durem muito, mas isso é outra estória. África é sinónimo de vistas sem fim; aqui estamos no planalto central, quase quase do Atlântico ao Bié, Huambo no meio, montanhas de recorte suave e vales de glaciares idos, pontilhados por aflorescências rochosas gigantescas, Lepi a Oeste, Alto Hama mais para Norte (o monte Lubiri é famoso) e montanhas na linha do horizonte a perder de vista, o panorama é vasto. Aldeias miméticas com a paisagem, de tijolo de adobe umas vezes mais ocre outras vermelho-sangue entre as árvores, abaixo do nível do capim, estão assinaladas na estrada por 2 ou 3 pinos cónicos vermelhos e brancos no traço branco que divide as faixas de rodagem, na frente do carreiro, em frente ao sítio onde as mulheres fazem montinhos de frutas e legumes coloridos para venda aos viajantes. As crianças, bandos de miudos, bandos de miúdas com aos irmãos bebés às costas colaboram na venda e no transporte. Sacos de carvão cobertos com um molhinho de capim por causa da chuva (coisa de homem) alguidar de inhame, tomate, abacate, mamão (coisa de mulher). Molho de lenha à cabeça (as raparigas), num carrinho e mão ou às costas (os rapazes).

Junto aos pinos e à venda, um segurança/militar/polícia(?)com colete reflector ajuda a regular o estacionamento. À saída da cidade, de 10 em 10 Km há uma patrulha da polícia a fazer uma “operação stop”, provavelmente para nos lembrar que estamos num estado policial. Inevitavelmente mandaram-nos parar (duas vezes). Da primeira, o agente quis ver todos os documentos, do carro, as nossas identificações. Têm um “carrinho de gelados” pintado de risca azul ”POLÍCIA” a uns metros da berma, à sombra, onde estão os restantes agentes da patrulha sentados em cadeiras de plástico de esplanada a beber coca-colas. “Falta o selo do imposto” é um carro alugado, deve estar tudo no envelope “ah, é um rentacar” diz outro, com ar disciplicente e acrescenta “estamos a tomar o mata-bicho”. O caso não é grave, entenda-se caro, Bom Proveito e sai uma nota do bolso. Nota para lá, documentos para cá, a atitude muda instantaneamente, um sorriso luminoso indica-nos onde devia (?) estar o “selo” no para-brisas... “vão para Luanda?” não, ficamos pelas redondezas “ah, isso, não vai ter mais problema, boa viagem”. À segunda nem saímos do carro, alegámos prontamente que já tinhamos sido “fiscalizados” antes, continência, sorriso e desejo de boa viagem. Estes polícias são patuscos.

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